sábado, 23 de maio de 2015

Sentir com precisão cirúrgica e uma frieza matemática (um desabafo):

"Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás."

Ignorando a maior parte da história por trás do autor da frase, lembremo-nos apenas de que era, entre outras coisas, um profissional de saúde. De minha parte, surpreendo-me, relembrando tais palavras com cada vez  mais frequência.

As coisas que tenho visto nestes poucos dias de hospital, as dores que tenho presenciado, ferem também do lado de dentro do jaleco.

Quem dera fosse suficiente reconhecer a existência do sofrimento e partir para a cura. Infelizmente não... Afim de intervir sou forçado a mergulhar integralmente em cada trauma; devo estimular o paciente a relembrar e reviver cada detalhe excruciante de sua condição, muitas vezes experimentando uma parcela dessa dor, na tentativa de definir com precisão o que se passa e tentar, apenas tentar, amenizar a situação.

E há vezes, mais do que poucas vezes, em que isso não basta. 

Corta o coração ver aquele paciente já tão maltratado pela doença que perdeu a força e a vontade de lutar. Ou aquele outro, no qual o próprio tratamento causa tal sofrimento que o indivíduo prefere recusar a intervenção e esperar a doença seguir seu curso.

É inevitável conhecer pessoas fadadas a passar seus últimos dias nesse ambiente desconhecido e inóspito, paradoxalmente chamado de hospital, sem ser tomado pela sensação da impotência. Sem tremer um pouco diante de nossa própria mortalidade e sem imaginar os caminhos que traçaram, as pessoas que tocaram.

Me assombram, durante a noite, aqueles olhares recebidos ao caminhar pelo hospital. São olhos suplicantes, mais ou menos esperançosos, que torcem para que o rapaz de estetoscópio no pescoço possa lhes oferecer alguma salvação, algum alívio, muitas vezes longe de meu pequeno alcance.

Assusta-me, em especial, a realização de que é preciso endurecer o coração para sobreviver a estes embates diários. Que é permitido se compadecer, mas não muito, pois é preciso dormir à noite. É permitido oferecer calor e empatia, mas em doses matematicamente calculadas, pois é preciso ser feliz nos intervalos. 

Paradoxalmente, é preciso sentir sem espontaneidade, deixar escapar apenas o suficiente de cada emoção. 

Sentir, mas com precisão cirúrgica. Porque não basta tratar do outro, é preciso tratar de si, pois o primeiro não será possível sem o segundo.

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